“Se meus demônios me abandonarem, tenho medo de que meus anjos também levantem vôo.(Rilke)”.
Era um grupo pequeno, pessoas escolhidas por sorteio, já que a procura pelas poucas vagas oferecidas foi disputada. Quando pensei fazer aquele seminário sabia muito bem o que eu queria (queria me desvelar mesmo), o que não sabia era o impacto que o convívio com essas pessoas causaria entre nós, pois conforme cada um foi se identificando, afinidades e controvérsias foram se mostrando. A proposta é muito interessante e provavelmente muito produtiva: a idéia é reunir doze pessoas, cada uma de um signo, trocando experiências, trocando impressões, expressões artísticas ou não, enfim, cada um na verdade, revelando sua personalidade única, dentro é claro, de uma delimitação de tempo e espaço.
Mas dentre todos um tipo me chamou especial atenção – um tipo tenso, intenso. Sabe aquela pessoa que quando cruza com teu olhar, há uma perturbação, há um fascínio irresistível, e voltas a olhar para saber o que foi que tocou, onde cutucou. Enigmático, penetrante, desconfiado, aparentemente hostil e impiedoso. É um olhar que sonda sem nada revelar – visão de raio X, sagaz como águia; tem uma maneira esquisita de perceber aquilo que as pessoas não querem que os outros saibam. É denunciador, porque pouco tolerante, percebe a hipocrisia e a impostura com um faro para as correntes subterrâneas. O signo de Escorpião é o único do zodíaco que tem como símbolo três animais: o escorpião, a serpente e a águia que significam as fases evolutivas em que os nativos desse signo se manifestam. Então, o escorpião – essse aracnídeo cuja cauda sempre retesada, está pronta para atacar e inocular seu veneno mortífero; já as serpentes, rastejam bem junto ao solo e ouvem os segredos da terra, possuem a sabedoria da terra, captando informações mais concretas da vida prática e as águias sobrevoam com sua visão poderosa, captando dados nos planos mais sutis, onde o imperceptível e o mais importante acontecem.
Foram de poucas palavras e alguns gestos sutis que fui adivinhando essa personalidade que foi revelando esse personagem intenso. Agora, porque tenso? Lembre o efeito elástico, quanto mais estica, mais expicha e então laceia...
O que ele mostra com seu ar de sedução é uma dificuldade extrema de relaxar o controle de si mesmo e contaminar toda sua expressão numa espécie de cortina de fumaça; a aparência fleumática e indiferente é só uma máscara e por vezes parece profundamente cínico, porque constantemente envolvido e confrontado com um dos mais confusos segredos da natureza humana: o seu lado sombrio, ou seja, junto à nobreza e à grandeza da raça humana ainda existe um animal, e que animal! Cabe-lhe então o papel de Judas – a força de escorpião permitiu que Jesus Cristo morresse e descesse às entranhas da terra para então, renascer e levar a luz a todos os seres terrestres - há que ser cruel, pode ferir fundo quando quer e sua franqueza exclui qualquer compaixão. O mal não é algo abstrato, nem culpa de outro: ele está em todos nós e temos que chegar a um acordo com a Hidra de nove cabeças que existe dentro de nós mesmos que podem significar os muitos desejos de um coração incivilizado. A hidra significa muitas coisas como ciúme, vingança, inveja, raiva, sexualidade frustrada, violência, tão próprio desse ser passional por excelência...
A Hidra é uma besta parecida com uma serpente, tem nove cabeças, cada uma dotada de dentes com veneno mortal. É como se fosse uma cobra múltipla e, mais um detalhe: cortar uma dessas cabeças e nascerão três no seu lugar. Mas o grande segredo é que a Hidra não suporta a luz. Então, se não conseguires abater as múltiplas cabeças, tens que levar a criatura até a luz do sol; ela se contorce toda e começa a morrer. Agora, só resta uma cabeça que é imortal e dentro da qual há uma jóia preciosa, ou seja, o monstro tem algo precioso que precisa ser olhado à luz da consciência: eis o que esse diferente olhar pode transformar!
Compreender ao mesmo tempo essa tenacidade e perspicácia que perpassa nesse olhar que tudo vê, é saber que ele mostra um ser de desejos intensos, profundamente sentimental e sensível, é extremamente suscetível aos sentimentos alheios, se magoando com facilidade. Este ser, muitas vezes intensamente solitário, prefere observar e algumas vezes dar alguns flagrantes no inconsciente do outro, mas o que este olhar parece dizer o tempo todo é que tudo deve ser vivido como se não houvesse amanhã. Ele não tem ilusões sobre a vida e não tenha a ilusão de passar incólume por um relacionamento com um escorpiano, nada será como antes.
Ana Rodolphi
Astróloga